28 de dezembro de 2017

Simultâneo


Na janela a minha frente
há um monumento
em crescente
um belo monumento
um estrondoso monumento!
As vezes sinto medo
dos olhos que comparam
o grandioso espetáculo das aves
em todo fim de tarde
a um singelo fechar de olhos.
Nos quadros da sala
uma linha e a vida
que puxa e bate a porta
em compasso uma bússola
do tempo que pondera
as escolhas da gente
acerca dos sonhos e os tombos
do anoitecer
sentimento é pedra,
ciclos e repetições de cores
e a comparação da dor.
Neste momento,
o mundo é a coisa
mais insignificante
entre estes escombros
e filmes riscando o passado
nas paredes de um quarto frio
para o poeta
história é esconjuro
nos ouvidos, sinais
tentando abrir olhos,
afastando e silênciando
os sons das coisas.
nesta noite faço versos de luz
que me questionam
enquanto vejo no espelho
os planos de uma meretriz
servida em pedaços ao diabo.
(8/4/11)

Antequera

Não há guerra entre nós


Falamos sobre o mercado
trabalhamos em diversos lugares
com a mesma garra e objetivo
cada um no seu, muitas vezes
sem achar um motivo para estar
naqueles ares - mas isso não vem
ao caso- tivemos paixões escondidas

poucas vezes saíamos, preferimos um livro
viver um filme ou até restaurar um móvel antigo
para inventar aos curiosos que foi trago de moscow
(tudo questão de interesse, para confundir-outros
olhos-encontrar benesses nos firmamentos do dia)

coisa que quase nunca vem ao caso.
eu que já meti os pés pelas mãos
tantas vezes,
hoje teno vivido, aceito convites
em cima da hora
dormir no sofá, chegar de madrugada
acordar cedinho
nem dormir

são contos que faço
para apenas aparecer no seu dia
repartilhar vibrações do dia-a-dia
te contar das coisas que quase nunca
vem ao caso

Você!
com seus conceitos de yin-yang
me dê um beijo,
apenas um beijo e serei -Outro
Homem
te conhecer foi um acidente eu que andava distraído colecionando pedras na beira de um rio e que besteira eu que achava bonito bater pedras lava-las, dar brilho por ao sol secar até então não percebia no reflexo das águas refletia a mim o céu, as nuvens e os círculos que faz a água ao se movimentar o mundo todo é um propósito primeiro eu vi você teu olhar me provocou ruídos agora sinto no meu peito tremeliques, comichões, enfim algo ecoa literalmente te conhecer foi um acidente me fez entender as runas e que intuitivamente havia uma imagem de infância castelo a construir um lar essa imagem sempre se repetia o desejo de beirar o rio o ato de escolher pedras lavar, secar seu olhar me causa ecos agora meu coração vibra todos os dias se põe numa bandeja aventureiro e esperançoso, na ânsia do seu sorriso sentindo a dizer seu seu seu teus olhos sobre a água foi um acidente perfeit

Ecos e luzes

Enquanto chamas
Aquele sem nome que clama devastado e insano
Aquele que prepara a cama
de forma desmedida e ama
faz malabares morro acima
Enquanto chamas
queima lençóis, toras e taras
cinzas às claras
tudo exposto, tudo brasa
Que se vê e não toca
Inflamas

No seu tempo


Primeiro, o rito
levantar cedo, antecipando
o primeiro raio de sol
coar o café, ligar o rádio de pilha na Am
se informando notícias habituais
Minha lembrança é você sorrindo
Vó! havia um quê de hora de aproveito
em cada suspiro no seu olhar
a bolsinha de moedas no sutiã
os chinelos vermelhos, os grampos
a saudade das panelas de ferro
do fogão a lenha
a coragem de enfrentar a chuva
coisas do seu tempo
sobre precisar existir
dos seus ensinamentos
antes do verbo, o gesto.
tudo foi muito rápido
você não quis se despedir,
das coisas mais valiosas
eu aprendi a me proteger
antes de dormir
Abençoe, Vó!

AFORTUNADO


de tão cheio de si,
o amor inventa aventuras
cola figurinhas na geladeira
para lembrar o seu amor
faz lembrança, dá o que não tem
o amor quer ser aceito e é aceito
o amor compra balança
conhece frutas pelo cheiro
compra propriedades e agora
tudo ele quer, ele pode.
o amor se envaidece, faz estrelinha
acorda cedinho prepara o café
planta bananeira e de repente
acorda decidido
ouve o apito do trem, ele quer o trem
o trem passa, o amor se perde
cansado de si o amor desbanca,
agora ele quer sombra e água fresca
um violão e um bandolim
tudo por capricho e destreza
o amor almeja
mas não quer tocar.
(Clayton Pires)

3 minutos mais curto
o amor cruza a soleira do peito
levanta um pensamento leve
tira o silencio do sapato
recosta o burburinho dos pés
no calor da tarde
vai me roubando aos poucos
do catálogo do dia
deixo parte da vida
ao lado da manta de lã
perto de nossos nomes
na primeira hora da manhã
os galos num acorde só
e as ruas em sentido único
(coloca o chão entre nós)
Vania Lopez
enquanto punha a louça
seca no armário
tive uma ideia genial
olha quanto tempo perdido:
disputar, ter ansiedade
por a paz em risco
pela boa reputação
ter, vencer, produzir, realizar
defender, capacitar
criar confusão se for preciso
ser bem visto e benquisto
acabei chegando a conclusão
o segredo é macerar o verbo
exprimir o máximo que der
e deixar no tempo
até chegar no que é básico
eu sou o que ninguém faz por mim
e nisso somos iguais: acordar
comer se cuidar tomar banho
se cuidar comer dormir
o essencial está no cotidiano
sem o verbo
meu currículo?
mudando

Ao que rege

Agir é uma tarefa automática, se acorda: abre os olhos. Reagir pede um pouco de esforço. Bora lá

Pra sempre


todos nós já passamos por relacionamentos mornos, de ficar na dúvida do bem-me-quer-mal-me-quer. Agora você me aparece louca, enfia essas mãos quentes na ferida. Me viola. Arde. Me consome.Me afasta. Me disputa. Eu te quero!

TANGENTE


EU SOU BRANCO
É isso. Eu quis ser negro
ter uma voz de negro
de favelado
mesmo que assim fosse
minha pele é branca.
não quero chegar nos confins
que nem tudo é assim
que cada caso é diferente
eu já quis ser viado
com todas as letras
sentir na pele o que é
ser lésbica sapatão gordo gay
e dói falar assim
todas essas palavras soam um palavrão
Eu sou branco
o mais que consigo disfarçar
é um casaco em frente ao espelho
minha pele frágil marca tatua
a pico de sol
toda discriminação

A PROPÓSITO


Não é mais sobre rima
argh! coisa chata
é sobre compromisso
é sobre a destreza de um cirurgião
que não sabe amolar a navalha
mas desenha o corpo humano
com a paciência de um monge
posso ir mais longe
falar sobre o mecânico
que não faz ferramentas
mas destrincha problemas
com a mesma sina de um físico
ou até quem nasceu pedreiro
e viveu, como manda o figurino
sem saber ler uma palavra
mas capaz de levantar um edifício
tudo é questão de necessidade
todo mundo aqui tem um "Q I"
para mim é questão de unir:
ninguém aqui é INTOCÁVEL!
não escrevo por ofício,
a palavra me basta.
Escrevo porque é preciso.
Clayton Pires
'eu sou poeta, eu sou?
qualquer resposta verdadeira
e poderei amá-lo.' Adélia Prado